sábado, 5 de setembro de 2015

Saibam as dificuldades que passei quando lancei meu primeiro livro em 1999... Paulinho Dhi Andrade


Saibam as dificuldades que passei quando lancei meu primeiro livro em 1999...
Querem saber quais foram as dificuldades que tive para lançar meu primeiro livro? Se hoje é difícil imaginem em 1999...
(obs.. na época o meu pseudônimo era:Paulinho Bomfim)

Foi um tremendo sacrifício lançar meu primeiro livro de contos com 60 páginas. Na época, 1999, eu trabalhava no Hipermercado Eldorado que logo foi comprado pela Rede Carrefour. Ganhava pouco e trabalhava muito, mas compensava os momentos em que eu e meus amigos de trabalho nos uníamos sempre que podíamos.
Muitas vezes, em finais de semana, fazíamos "vaquinha" para comprar bebidas e salgados, e íamos para a casa de um ou de outro colega fazer festinhas para nos descontrair. Certa vez percebi que todas as latinhas de cerveja e refrigerante estavam indo para o lixo, era uma época em que tal material valia ouro. Então tive a ideia de ensacá-las para poder vender e juntar o dinheiro ganho com isso. Bem antes de participar destas festinhas, eu já havia ido até uma Editora orçar meu livro, e imaginem o susto que levei quando soube do valor... na época a Editora cobrou R$600.00, meu salário não chegava nem a 25% disto. Fiquei desesperado e triste, "O que fazer?".
A ideia de reciclar latinhas foi uma saída bem vinda. Minhas duas amigas Deydiane e Amélia foram as duas primeiras pessoas a não se preocuparem se iam ou não estragar seus vestidos de festas e "arregaçaram as mangas". Imaginem a cena, todos os finais de festas eu ia para casa carregando de dois a três sacos pretos de lixo carregados de latinhas de alumínio dentro do Metrô e ônibus. Algumas pessoas me olhavam com caras retorcidas, provavelmente não estavam gostando do cheiro de cerveja azeda.
Mesmo reciclando e economizando algumas moedas de meu salário, não tinha muita chance de conseguir lançar meu livro. Resolvi fazer um acordo com a Editora, e o editor me facilitou o pagamento em três vezes iguais e sem juros, que alegria a minha, (na verdade, não foi tanta alegria assim...). As coisas começaram a apertar dentro de casa. O salário não aumentava, e meus cartões já não tinham mais limites... dívidas e mais dívidas... Pensão alimentícia atrasada, saudades dos filhos, um namoro de dois anos bem perto do fim... caí em desespero... bebidas e mais bebidas... Não conseguia entender o porquê de tudo aquilo. Eu queria apenas ser escritor e nada mais. Era só um sonho inocente, que mal havia nisso? Mesmo fazendo rifas de dinheiro, (eu dava como prêmio uma quantia em dinheiro arrecadado na venda da rifa, prática ilegal, mas eu já não estava mais nem aí pra nada.), não conseguia juntar o valor necessário. Até que em um determinado dia tive outra ideia. O Carrefour estava demitindo os funcionários mais antigos e contratando outros, eu tinha apenas um ano de empresa, mesmo assim pedi para me porem na lista. Imaginei que o dinheiro que receberia daria para pagar a pensão atrasada, a editora e ainda sobraria dinheiro para as despesas na casa de minha mãe, que ilusão a minha.
O banco ficou com mais da metade de meu dinheiro, o que sobrou não deu nem para me fazer rir, e mais uma vez me afundei na bebida, e como se não bastasse, permiti que a cocaína fizesse do álcool um mero chá de erva doce.
Depois de ser despedido, outro problema, o que falar para minha ex-esposa Miriane a respeito da besteira que havia feito? Reuni toda coragem que tinha e fui até onde ela morava com meus filhos. Depois de brincar com eles, resolvi abrir o jogo. E qual não foi a minha surpresa? Antes que eu dissesse qualquer coisa ela me ergueu a mão direita e disse: "Toma. Termina de pagar a editora." Havia R$200.00. Fiquei sem palavras. Ela sabia do meu desespero. Ela sabia do meu sonho. Aceitei o dinheiro e fui embora enquanto meus filhos corriam atrás rindo como sempre faziam toda vez que eu falava para eles: "Quero ver só quem consegue pegar o homem mais rápido do mundo.".
Terminei de pagar a editora e recebi meus 300 livros com 60 páginas. Dentro do ônibus, no Bairro do Limão em São Paulo, minha alegria não tinha tamanho. Eu não parava de manusear os livros. Eram muitos para se carregar sozinho numa sacola de feira feita de nylon, mas eu me sentia muito forte naquele momento e podia carregá-la sem muito esforço.
Mesmo depois de ter conseguido lançar o livro, eu ainda tinha algumas pendências. O excessivo uso de álcool e cocaína havia me destruído quase por inteiro. Magro, comendo pouco, dificilmente bebendo água... a única solução foi... internação.
Fiquei internado oito meses em um Hospital Dia do Governo. Eu ia para a Clínica na parte da manhã e voltava na parte da tarde. Eu gostava muito de lá. As pessoas que nos auxiliavam eram gentis, simpáticas e demonstravam verdadeiro amor por cada um de nós.
Não lembro o nome de todos, mas citarei alguns. Yoná, (não lembro se é Yoná ou Dináh), assistente social, era a que mais me procurava para conversar. Ela gostava de me contar historinhas. A Cecília, uma japonesa sorridente, (nunca vi um japonês triste.), era a terapeuta ocupacional. Ela pintava vasos de uma forma que eu nunca tinha visto por ai no ramo de pintura, no qual eu entendia bem. Não lembro o nome da enfermeira, mas lembro que ela sempre me procurava para ajudá-la a estudar matemática. Tudo começou quando a vi triste num canto na hora do almoço. Depois de lhe perguntar o motivo da tristeza, ela me disse que precisava muito mudar de profissão, mas não tinha chance alguma de isso acontecer porque ela não entendia nada do que lia na apostila de matemática. (Ela havia feito inscrição num concurso para ganhar muito mais do que ganhava ali.). Pedi para me mostrar a apostila, mas para tentar fazer com que ela desmanchasse aquela carinha triste. O que lhe causava tanta dor de cabeça eram as equações: P.A. e P.G., (progressão aritmética e progressão geométrica), eu sempre gostei delas... ensinei o que pude. Todos os dias fazíamos revisões, até que chegou o grande dia... alguns dias depois, ela apareceu diante de mim gritando e rindo. "Paulinhoooo.. passei no concursooooo". "Graças a você. Eu te amoooo...", ela ria e todo mundo ria. Mal sabia ela que o mérito era todo seu.
Minha psicóloga, uma moça branca, cabelos lisos e pesados, era outra pessoa que gostava de conversar comigo. Eu passei a ficar desconfiado que tudo aquilo não passava de uma mera avaliação médica, provavelmente eles fariam relatórios e entregariam para o psiquiatra.
O psiquiatra, Dr. Roberto, deu-me de presente um livro: "A peste - Albert Camür.". Ele sempre procurava na internet alguns concursos literários para que eu participasse.
Fiquei sabendo que haveria uma Feira de Artesanatos na Universidade Cruzeiro do Sul. A psicóloga me sugeriu que eu vendesse meus livros lá. Aceitei. Ela tomou todas as providências.
No dia do evento fiquei surpreso com a quantidade de livros que vendi. Não lembro quantos foram, mas sei que foram muitos. E o incrível é que vendi todos para uma só sala de aula, psicologia. Provavelmente a psicóloga havia conversado com o professor e ele acabou se interessando por um dos contos: "Edna, infeliz para sempre". O conto narra a sina de duas irmãs gêmeas e muito amigas. Helena descobre que é apaixonada pela irmã. Quando Helena se casa, Edna fica um tanto triste, mas acaba se conformando, pois ela a amava e a queria ver feliz. Determinado dia, ela descobre que Helena sofre muito no casamento. Para tentar ajudar a irmã, ela procura o cunhado para conversar. Ele resolve tirar proveito da situação e acaba abusando dela. De volta para casa, Helena descobre a traição e resolve cometer suicídio. O desfecho é trágico, pois logo em seguida acontece mais duas mortes.
Este conto foi usado em sala de aula no curso de psicologia. Imaginem o tamanho de minha alegria ao saber que estava sendo lido por alunos de tal matéria.
Chegou o grande dia...
Numa manhã de sol morno, eu fumava um cigarro do "Paraguay" quando a Yoná se aproximou e disse: "Paulinho, chegou o momento de desligar você da Clínica.". "Por quê?". "Já faz tempo que você está bem, nós só te seguramos aqui porque seu bom comportamento estava nos ajudando a controlar os demais.".
Eu então virei meu rosto para o lado e comecei a observar ao meu redor... foi aí que percebi onde era que estava, numa Clínica.
Havia gente de todo tipo ali comigo. Doentes mentais devido o uso de drogas licitas e ilícitas, pessoas que já nasceram doentes, doentes por depressão, e doentes por comportamento duvidoso. Homens, mulheres, crianças, idosos... eu... Gente que ria e falava sozinho. Gente que gritava pedindo para ser amarrada. Gente que pedia para tomar remédio para dormir em plena luz do dia. Gente que pedia cigarro a todo momento a ponto de fumar até três cigarros ao mesmo tempo. Tentativas de suicídio, paqueras, mulheres mostrando os peitos... Senti vontade de sair correndo e bater a cabeça na parede, enlouquecer somente para nunca mais sair dali. Senti vontade de rir falar sozinho. Gritar, acender um maço de cigarro e fumá-lo de uma só vez. Senti vontade de mostrar meu órgão genital. Senti vontade de chorar e pedir pelo amor de Deus que não me mandassem embora. Ali era meu mundo. Um mundo onde não existia dor, raiva, preconceito, ódio, vingança... Um lugar onde os deuses que nos cuidavam não nos pediam orações obrigatórias e nem sacrifícios... Um lugar onde a morte não existia, eu vi, aquela criança tentou e não conseguiu, eu vi, eu a impedi... foi um teste? Que bom. Nós dois passamos nele...
Aquela árvore entre o consultório e a edícula, não estava morta. Havia flores nela imaginadas por cada um de nós. Por que será que não falei dela até agora? Seria a árvore imaginária também? Que fosse.
Voltei os olhos para Yoná e percebi que seu olhos estavam encharcados. Ela me abraçou com um beijo no rosto e disse: "Até qualquer dia". Minha mãe estava me esperando no portão. Fomos embora para sempre dali.
Fora da Clínica, ainda me sentia umedecido pelas lágrimas da Yoná. Tinha que viver minha vida fora da Clínica, e isso era uma realidade. Meu sonho de ser escritor ainda era latente, mas só não sabia como agir. Comecei a divulgá-lo diretamente às pessoas. Conheci uma livraria (Sebo Mutante, Itaím Paulista), os donos eram o Jonilson Montalvão e o Dody. Ambos aceitaram meu livro na vitrine, no mesmo ano, um mês depois, o escritor, Alessandro Buzzo lançava seu livro, "O trem" na mesma livraria. Nos conhecemos pessoalmente e nos tornamos amigos. Fiz lançamento em outra livraria no Centro de São Miguel Paulista, Akmé, junto com escritores bem falados pelos jornais de São Paulo e vendi o equivalente. Mesmo assim, em duas livrarias, eu não estava conseguindo alcançar meu objetivo. Fiz palestra na Biblioteca Pública Vicente Paulo Guimarães para alunos e professores da Escola Shinguichi Agari, não vendi nenhum livro. Desanimado, comecei a sair todas as noites de final de semana para beber. Percebendo que algumas mulheres tentavam aproximação, aproveitei para falar de meu livro. Muitas vezes fui convidado a sentar à mesa, "Eu era escritor, tinha prestígio". Beijei muitas bocas e acordei em lugares inimagináveis, tudo isso por tentar vender minha arte. Prostituto... prostituto...
Meu nome, de repente, começou a se espalhar por muitos lugares. Passei a ser convidado para participar de exposições, lançamentos de livros, reuniões de Bairros, saraus à moda antiga, (onde só de lê ou declama poesias e nada mais.).
Talvez por gentileza, educação ou sei lá o quê, algumas pessoas sempre tocavam no assunto de meu livro. Dávamos então início a uma conversa formal e nada mais que isso. Quando tinha comigo algum exemplar, pois eu, as vezes, saia com alguns na esperança de vendê-los, acabava dando de presente para alguém. Alguns daqueles que se diziam grandes amigos, compraram livros, de forma insistente por parte deles, afirmando que faziam aquilo para me ajudar, não pagaram até hoje. Mesmo assim consegui vender cerca de 200 exemplares. Dos cem que sobraram, sem contar os que foram vendidos aos amigos e doados a outros, boa parte doei para bibliotecas.
Hoje, de vez em vezes, lembro dos momentos que passei... foram momentos de dor, tristeza e aprendizado. As festas, as latinhas de alumínio, o salário baixo, a pensão atrasada, a auto-demissão, as drogas, as bocas, as camas...
Muitas vezes me puni com arrependimentos que só eu sei o gosto. Eu tentava saber de mim, o porquê de querer ser escritor. Não seria uma fantasia tola? Logo eu que fui um péssimo aluno em língua portuguesa? Não sabia nem para que me serviria um dia para onde o "sujeito" tinha ido, e se ele estava "predicado", (prejudicado), foi ele quem procurou, não era da minha conta. Que sonho bobo querer ser escritor, nem faculdade eu tinha. O que eu tinha como formação escolar? Dois anos na 1ª e dois anos na 2ª série. Nada entrava em minha mente. Não conseguia assimilar a leitura de forma alguma, mas eu tinha um dom, conseguia fazer os alunos rirem com facilidade, eles riam toda veze que a professora me chamava para ler... Sem formação universitária seriam impossível ser escritor, era isso que eu pensava. Quando um possível leitor demonstrava interesse por um livro meu, logo perguntavam se eu havia feito Letras, e eu então falava a verdade com um tanto de receio: "Estudei língua portuguesa e literatura por correspondência no I.U.B.". Quando terminava de falar, sentia-me aliviado e esperava o resultado. Livros vendidos.
É claro que eu podia muito bem ter deixado tudo isso de lado e seguir a vida igual a todos os humanos, acordar cedo, trabalhar muito, comer pouco, suar dentro dos ônibus, levar pisadas nos calos mal protegidos por sapatos baratos, mas... nem sabia o que realmente queria quando batia aquela dor no peito toda vez que eu lembrava das pessoas que haviam me ajudado de uma forma ou de outra. Até mesmo aqueles que não pagaram o livro que "compraram" para me ajudar. "Por que fui aceitar o dinheiro que minha ex-esposa me deu para pagar a editora?" Eu poderia muito bem não ter aceito, e ainda por cima ter dado em suas mãos o dinheiro que havia juntado com a venda das latinhas e das rifas que fiz. Poderia ter usado o dinheiro da rescisão, mesmo tendo sido uma mixaria, para pagar as contas dentro da casa de minha mãe, comprar sapato ou parar de gastar sabão lavando a única calça jeans que tinha para usá-la sem que percebessem que eu não tinha outra.
Eu poderia ter continuado no emprego, talvez hoje seria um funcionário de destaque com um bom salário, cheguei a acreditar nisso quando lembrei que em menos de um ano de firma fui promovido três vezes, coisa que muitos ali com cinco anos ainda não haviam conseguido. Mas só que eu havia escolhido ser escritor, lançar um livro... não foi fácil.
O momento que mais me marcou foi o que aconteceu numa tarde chuvosa perto de casa. Eu retornava da casa de minha ex-namorada, Verinha, quando decidi apressar os passos com a intenção de não me molhar muito. Sei que, ou não sei de nada, que provavelmente quando se corre da chuva, acabamos nos molhando mais, pois nossa rapidez acaba alcançando as gotinhas antes que alcancem o chão, (filosofia cientifica de um escritor em crise naquela época.).Quando me aproximei de uma árvore em frente ao extinto Salão do Forró do Beto, um raio caiu no transformador pendurado no poste e em seguida veio em direção à arvore onde eu já estava debaixo dela. Por incrível que pareça, não senti medo algum, pelo contrário, achei lindo presenciar aquilo tão de perto, ao vivo. Olhei para o outro lado da avenida e vi que o bar da Morena estava aberto, atravessei e entrei. Percebi que ela chorava, perguntei se era por causa do raio e ela negou. Disse que havia acabado de ler meu livro. Não sei se fiquei contente por ela ter lido ou chocado por ter se abalado daquele jeito. Fiquei em silêncio depois de pedir um conhaque. Acabei tomando dois e fui embora. Caminho, comecei a sentir o peso dos conhaques, e logo lembrei que toda vez que bebia em tempo com clima úmido ou chuvoso, acabava ficando bêbado com facilidade.De repente fiquei na dúvida se seria só o conhaque ou a mistura que havia feito sem querer, pois eu havia tomado remédio antes de sair para a rua...
Quando cheguei em casa, joguei-me na cama com sapato e tudo. Cobri a cabeça e comecei a filosofar... eu havia escrito um livro para que me trouxesse contentamento, alegria financeira ou simplesmente um bom estar e de repente fiquei sabendo, de frente, que minha arte havia feito alguém chorar... Como isso aconteceu? A Morena era forte, enfrentava qualquer um, lidava com policiais corruptos, com traficantes, assassinos e não dava moleza para nenhum deles, e como foi possível chorar apenas lendo um livro?
Com a cabeça coberta, eu comecei a rir e a falar sozinho. Em minha imaginação, eu gritava, mostrava meu corpo nu, pedia para ser amarrado e fumava vários cigarros ao mesmo tempo... 
Paulinho Dhi Andrade


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